As narrativas Disney: representações e subversões da “Jornada do Herói”
- rayta35
- 15 de ago. de 2020
- 5 min de leitura

Você com certeza já deve ter visto alguma animação ou filme da Disney. Diga-se de passagem, trata-se de uma das empresas cinematográficas mais famosas e mais rentáveis do cinema mundial. Mas será que existe alguma forma que faça com que a empresa sempre consiga estar em alta? Desse modo, o presente artigo pretende discutir como a “Jornada do Herói” interfere diretamente nas narrativas Disney desde os seus primórdios, mesmo com as transformações que as gerações sofreram ao longo do tempo.
Aqui discutiremos dois assuntos importantes: as gerações Disney como parte da construção do imaginário, ou como produto dele, e também o conceito da “Jornada do Herói”, a partir do livro O herói de mil faces de Joseph Campbell (1997).
A Jornada do Herói/Heroína
Joseph Campbell percebeu que algumas histórias, sejam elas no campo da literatura, cinema, e entre outras, respeitavam uma métrica, ou melhor, essas histórias possuíam uma forma, que se repetia consecutivamente nos protagonistas das histórias. Desse modo, ele criou o conceito da Jornada do Herói ou “monomito”, que se divide em 3 atos e 17 elementos. Vale dizer que nem todos os elementos estão presentes em todas as jornadas dos personagens, porém, se encontra na grande maioria das histórias.
De modo geral, a Jornada do herói se divide da seguinte maneira:
ATO I – A PARTIDA
1- O chamado da aventura: é quando o herói está na sua vida comum e de repente é convidado para a aventura, ou colocado nela de maneira inesperada.
2- A recusa: a negação da aventura. O personagem não se vê como herói, porém pode haver a subversão deste elemento.
3- Encontro com o mentor: geralmente o personagem tem um mentor, que pode ser representado por alguém de sabedoria, uma figura mais velha, ou alguém que lhe dê conselhos. Pode ser algo sobrenatural também.
4- Travessia do primeiro limiar: quando o herói assume a sua missão e parte para a aventura
5- A barriga da Baleia: quando o personagem passa por uma transformação psicológica, é onde ele começa a se entender dentro da narrativa.
ATO II – A INICIAÇÃO
6- A estrada de provas: é o momento das provações, as lutas que o personagem enfrenta.
7- Encontro com a Deusa: É o clímax da narrativa, onde acontecem as maiores provações.
8- A tentação: aqui é onde estão os dilemas do personagem. Geralmente podem ocorrer perdas de amigos, ou separação, devido às decisões do protagonista, ou até mesmo traições.
9- Confronto com o pai: o grande encontro com o vilão.
10- Apoteose: quando o herói decide o grande trunfo pra resolver a trama.
11-Conquista: aqui é a missão cumprida.
ATO III – O RETORNO
12- Recusa ao retorno: o herói não quer voltar a ter a vida de antes, que geralmente era de sofrimento, ou não quer deixar o que conquistou.
13- O voo mágico: a aceitação da volta, que geralmente é iminente.
14- O resgate interior: é a ajuda que o personagem tem para voltar pra casa, seja ela literal ou figurativa, como por exemplo, uma voz interior ou um sonho que ajuda a encontrar o caminho.
15- Travessia do limiar: é o retorno do personagem, tanto psicologicamente quanto literalmente.
16- Os sonhos dos dois mundos: o herói percebe o quanto a aventura o modificou. Ele não é mais o mesmo.
17- Liberdade para viver: O final feliz.
Heróis e Heroínas
O primeiro longa-metragem Disney foi Branca de Neve de 1937. Essa animação corresponde a chamada “Primeira geração Disney”. Nesse período, as representações do papel da mulher nas animações mostrava geralmente uma personagem mais passiva, em busca de um príncipe encantado, e o papel de heroína era dividido com o príncipe da história. E essa forma se repetiu em filmes como Cinderela (1950) ou Bela Adormecida (1959).
Entretanto, percebe-se que o personagem masculino não era representado da mesma maneira que as personagens femininas. Em suma os heróis masculinos, mesmo que representados em formas de animais, como por exemplo Dumbo (1941), respeitava mais fielmente a Jornada do Herói, diferente dos filmes de heroínas que sempre apresentavam subversões, pois parte da trama era vivida pelo príncipe, como por exemplo, uma das partes mais emblemáticas da narrativa, apontada por Campbell com os itens 6 e 7: A estrada de Provas e o Encontro com a Deusa, que em suma, é o clímax da história, as lutas, parte fundamental da trama.
Já na “segunda geração Disney”, percebe-se uma emancipação significativa das princesas, e podem ser percebidas em filmes como: A Bela e a Fera (1991), Mulan (1998) e Aladdin (1992). Neste último é possível perceber uma dupla Jornada do Herói, de modo que tanto a personagem Jasmine, quanto o personagem Aladdin, dividem o protagonismo na trama.
Vale dizer que nenhuma produção é alheia a seu tempo, de modo que as produções Disney sempre foram uma representação de sua época, com a finalidade clara de suprir as demandas sociais e narrativas vigentes.
Assim, percebe-se que o grande avanço sofrido na “Segunda geração” ainda estava longe de um cenário ideal, no que se refere emancipação da mulher na sociedade, pois mesmo com o protagonismo das princesas estarem voltados pra si, ainda assim havia uma reprodução de mazelas sociais, principalmente em relação à classe, etnia e padrões de beleza, que só foram quebrados a partir da “Terceira Geração”.
A “Terceira Geração” se inicia com A Princesa e o Sapo (2009). Foi a primeira vez em que uma heroína era retratada negra, o que representou um imenso avanço na construção do imaginário da época. Talvez tenha sido fruto desse imaginário, ou até mesmo as duas coisas, tendo em vista que a produção trata-se de uma representação da sociedade, e nesse sentido, tanto a sociedade influencia o indivíduos quanto estes influenciam a sociedade, e por consequência, suas produções.
Porém a legitimação da “Terceira Geração” aconteceu somente com filmes como Valente (2012), Frozzen (2013) e Moana (2016). Aqui a narrativa apresenta uma emancipação da figura feminina jamais vista nas produções de princesas Disney, pois a Jornada do Herói voltou-se toda para a protagonista, e até mesmo a necessidade da figura romântica do príncipe foi colocada à margem, dando assim, foco em outros elementos das heroínas.
Agora o clímax da animação pertence inteiramente à heroína, que geralmente reflete a sua história e anseios com uma canção épica. Como por exemplo aconteceu com a personagem Jasmine, no remake de Alladin (2019), que além de ter um protagonismo ainda maior que no primeiro filme, sobressaindo até mesmo ao protagonista, ainda ganhou uma canção própria, que narra principalmente o empoderamento da personagem.
Por fim, vale dizer que, as produções cinematográficas, respeitam grandemente a lógica da Indústria Cultural, sendo uma apropriação das demandas sociais. Porém, que de certa maneira, mostram a cada dia mais representatividade, no que se refere às minorias e seus movimentos.
REFERÊNCIAS:
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Editora Pensamento, 1997.
COELHO, T. O que é Indústria Cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 2006.
CAROL MOREIRA: https://www.youtube.com/watch?v=9GXrm2K1KOM
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