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Tentando decifrar o conceito de "História Global"

  • Foto do escritor: rayta35
    rayta35
  • 17 de out. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 24 de out. de 2020

A Academia tem maneiras muito particulares de expressar o pensamento científico, que em muitos momentos tornam-se inteligível até mesmo para estudantes da área. Assim, esse presente artigo tem como intuito relatar a minha experiência ao tentar decifrar o conceito de História Global e quais as suas implicações na historiografia atual.


Durante a Universidade, mais especificamente no curso de História, o qual eu tenho mais propriedade para escrever, logo no começo do curso nos é apresentada a disciplina de Teoria da História. Nela aprendemos sobre como refletir sobre a profissão do historiador, as correntes filosóficas, metodologias e também a história da própria História. E devido a linguagem e a dinâmica da própria disciplina, faz com que o desinteresse por essa área tão importante, seja quase generalizado.


Entretanto, como tudo na vida, a conta chega. No final do curso, aqueles que desdenharam da Teoria da História se veem loucos atrás da melhor e mais resumida teoria, para dar conta das suas fundamentações e argumentações, em seus trabalhos de conclusão de curso. Mas esse não foi o meu caso.


Mas o que isso tem a ver com a História Global? Diga-se de passagem, tudo. Não tem como colocar a culpa da falta de interesse pela Teoria da História, somente nos alunos. Em grande medida, boa parte dos autores não se fazem entender, ao passo que imagino que eles escrevam somente para si, como no caso das escolas historiográficas francesas ou alemãs. Tais autores, dotados de uma eloquência sem tamanho, falam, falam, falam, porém ao final não dizem nada. Ou talvez até dizem, porém não se fazem entender.


Mas vamos a minha experiência com a História Global. Devida a necessidade de entendimento desse contexto, por causa de um processo seletivo para mestrado, me deparei com algumas leituras obrigatórias muito importantes. Entre elas estava O que é História Global, do Sebastian Conrad, uma das mais importantes, diga-se de passagem. Uma leitura de difícil acesso. O preço do livro beirava R$ 600,00, de modo que seria impossível a compra, pois o meu capital cultural, não acompanha o meu capital econômico.

A única saída foi apelar para os resumos, ou leituras paralelas que discutem o mesmo tema. E assim foi. Li vários materiais. No começo da leitura, não conseguia entender, mesmo já tendo grande afinidade com a Teoria da História. E quando chegava no final, parecia que eu estava no começo. Seria cômico, se não fosse trágico. Ao final, saí com mais perguntas do que respostas.


Ao contrário dos caros colegas eloquentes, tentarei definir a História Global, diferentemente dos materiais que li, que somente rodeiam e não explicam muita coisa. Em suma, História Global resume-se a uma corrente de pensamento historiográfico onde a história extrapola as dimensões temporais e espaciais. Ou seja, na História Global, o historiador entende que o objeto de estudo está inserido em um contexto muito maior do que se acredita, onde não existe somente uma história, mas muitas histórias conectadas, entrelaçadas e para explicar uma, se faz necessário visitar, ou revisitar outras.

Por exemplo: imaginemos a América Latina. Para entendê-la se faz necessário não só o entendimento da história de suas nações, é importante buscar compreender os processos históricos latino-americanos como um todo, ou seja, uma perspectiva global, mais abrangente, que estuda não só a América, mas a relação transnacional, e transcontinental, entre Europa, África, América, Ásia, etc.


É importante dizer que pensar a história por meio de uma perspectiva global, não é ter que estudar tudo, de todos os continentes, mas sim ter consciência de que as histórias estão entrelaçadas e são indissociáveis. O ponto fundamental é a compreensão de fenômenos e contextos que os aproximam e não que os distanciam, é associar as partes a um todo, muito maior e mais complexo. Como dizia Edgar Morin: “A soma das partes é muito maior que o todo”.


Mas o que a História Global busca? Em grande medida, o que pude absorver dessa questão, é que a História Global vem de tradições marxistas, como uma possível superação dos nacionalismos da história moderna, dos séculos XIX e XX. Assim ela emerge em temáticas pós-coloniais, pós-nacionais, trazendo à tona a visão dos excluídos, a meta-história, a serviço de uma decolonialidade crescente.


Alguns nomes são de extrema importância nesses processos históricos de perspectivas globais. Um deles trata-se de Fernand Braudel, com sua teoria das temporalidades. Segundo o autor, o fenômeno histórico pode ser dividido em três temporalidades: Curta, Média e Longa duração.


A Curta duração se refere aos acontecimentos recentes de uma sociedade, que em suma é de difícil entendimento por parte do historiador, devida a falta de distanciamento temporal do observador e objeto. Na Média duração, temos as histórias de décadas, nela conseguimos entender somente a conjuntura. E por fim, temos a Longa duração, esta, mais importante para o debate da História Global. Na longa duração, a percepção da mudança é muito mais aparente, pois o distanciamento temporal do observador e objeto é muito maior que nas outras temporalidades. Trata-se aqui da “estrutura histórica”, que só pode ser analisada dentro de uma perspectiva global de história.


Voltemos ao exemplo da América Latina. E agora vamos mais fundo. Se tentarmos entender as ditaduras latino-americanas do século XX, que em suma, estão inseridas em um processo de Média duração, como sugeriu Braudel, teremos algumas amarras, pois, esses processos fazem parte de uma construção maior, o da América Latina, que por sua vez, também faz parte de uma construção muito maior, a do Atlântico, ou seja, uma longa temporalidade. Assim, para entender as ditaduras latino-americanas é preciso entender a “estrutura histórica” da América Latina como um todo, dentro de uma perspectiva global, de poder, economia, costumes e política e também a meta-narrativa, ou seja, como os sujeitos se colocam na construção e entendimento desses cenários, hipotéticos ou não.


Por fim, gostaria de ressaltar que, as correntes historiográficas, apesar de muitas vezes complicadas e de difícil acesso são de extrema importância para o entendimento e fortalecimento da profissão do historiador. O pensamento histórico e historiográfico é de fato muito complexo. Porém, dentro das minhas perspectivas como profissional, devemos buscar, atualmente, a ampliação do pensamento histórico na sociedade, que pode ser democratizado por meio da “História Pública”, conceito esse que fica para um próximo texto.


O que quero dizer com esse texto é que comunicar-se é mais importante do que somente escrever um monte de páginas, que ficarão no limbo da literatura historiográfica. Se para nós, historiadores, essa leitura é difícil, imagina para leigo amante da história? Será que devemos manter essas discussões tão importantes somente na Academia? E se levarmos para fora da universidade, como devemos fazer isso?


Referências:


LOPES, Marcos Antônio (org.). Fernand Braudel: tempo e história. Rio de Janeiro: FGV, 2008, 184p.

MELLO, R. M. As três durações de Fernand Braudel no Ensino de História: proposta de atividade.Revista História Hoje, v. 6, nº 11, p. 237-254 - 2017

CONRAD, Sebastian. 2019 Abordagens Concorrentes. Em CONRAD, Sebastian O que é a História Global? Lisboa: Edições 70, 2019, cap.3, p.53-80.

CONRAD, Sebastian. 2020. Memórias entrelaçadas: versões do passado na Alemanha e no Japão, 1945-2001 Entangled Memories: Versions of the Past in Germany and Japan, 1945-2001. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 130-148. ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2020.e71081


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