"Lugar de velharia é em museu!"
- Vivian Maria Korb
- 7 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de ago. de 2020
O objetivo principal desse texto não é fazer um levantamento teórico sobre o papel do museu na sociedade, mas sim levantar reflexões sobre a percepção que temos sobre o mesmo.
“Lugar de velharia é em museu”, “lugar de passado é em museu”, “em museu só tem coisa velha”, “quem vive de passado é museu”... são frases comuns de serem ouvidas ou que eu, pelo menos, já ouvi muito mais do que gostaria. Não nego que no início eu encarava esse tipo de posicionamento sobre os museus de uma maneira hostil, como se a pessoa estivesse tentando atingir ou insultar o museu de alguma maneira, depois passei a atribuí-lo ao desconhecimento sobre os museus e agora já penso que o buraco é mais em baixo.
Essas frases escondem por trás de ares de hostilidade e desinformação a posição vulnerável na qual os museus se encontram em nossa sociedade. Situação que é muito bem comprovada pelo descaso que os museus já sofrem há anos e a incontáveis tragédias, da qual a mais latente em nossas memórias pode ser o incêndio do Museu Nacional em 2018.
O motivo por trás de tal condição pode ser encontrado no fato de que o espaço do museu foi ao longo do tempo se fechando em si mesmo, perdendo sua ligação com o mundo exterior. Não digo isso em um sentido físico ou prático, mas em um sentido de propósito. Muitas pessoas não sabem “para o que” e “para quem” o museu é destinado.
“Ainda pode ser considerada atual a crítica dirigida aos museus franceses por Paul Valéry em um artigo intitulado ‘O problema dos museus’. Nele o autor confessa não amar os museus, enumerando uma série de razões para isso: museus são lugares confusos, tristes, opressivos, cheios de objetos e de proibições, que nos dão uma sensação de frieza, por vezes uma ‘dor na consciência’ e ainda nos obrigam a fingir erudição! (Valéry, 1923, p.6). Valéry, mesmo sendo intelectual, comprovava que sempre houve dificuldade de diálogo entre o museu e seus públicos” (BLOISE, 2011, p.44-45).
O museu ganhou ao longo do tempo um papel definido na sociedade, porém também se deparou com uma situação de incompreensão e descaso. Uma instituição que encontra dificuldades significativas para criar vínculos que justifiquem sua existência além de argumentos como:
“O museu é interpretado, muitas vezes, como local de invenção de tradições, como espaço de fruição do belo, como lugar para a memória, como área propícia para o refinamento cognitivo, entre muitas outras perspectivas que de alguma forma são responsáveis pela permanência dessas instituições nas mais diferentes sociedades” (BRUNO, 2011, p. 30 -31).
É claro, são todas motivos que sustentam muito bem a existência do museu, mas ao mesmo tempo podem ser encarados como uma “obrigação”: um local onde devemos ir com a escola, um local que deve existir para se contemplar a arte, um local que deve ser preservado, um local que imaginamos ser importante... mas por quê?
Você pode até ter uma resposta pronta para essa pergunta, pode utilizar os argumentos que já foram levantados sobre o papel do museu na sociedade e pode defender sua existência por meio de embasamento teórico, mas acredito que seriam poucas as pessoas que teriam uma justificativa pessoal, um motivo que vem de sua própria história, das suas próprias experiências de vida, algo que faça do museu parte da sua existência.
“Um lugar de coisas sem vida”, é assim que o museu é encarado por muitos. E como se relacionar de maneira significativa com algo que não transmite vida? Algo com que você não consegue se relacionar de maneira profunda?
“Museu é lugar de velharia”, pois para muitos se estagnou no passado, sem sentido ou propósito claro, além do de acumular pó. Mas, o que não é levado em conta é que o mais antigo dos artefatos é tão contemporâneo quanto eu e você, já que somos nós que reconhecemos sua existência. Os objetos “velhos” dos museus só vivem por meio da minha e da sua percepção de que eles existem, sendo assim eles não estão estagnados no passado, eles vivem no aqui e no agora.
Os museus são instituições de seu tempo, mesmo que o material de exposição date dos tempos mais remotos, quem escolheu que ele estivesse naquele lugar de destaque, sobre um holofote de lâmpada LED, com uma pequena descrição de cinco linhas, em meio a uma grande sala rodeada de outros artefatos, foi uma pessoa que respira ares contemporâneos.
O museu, mais do que um agregar e transmitir informações, deve se relacionar com a sociedade como um todo e encontrar nela o significado de sua existência. O museu não é um cofre onde os tesouros mais preciosos são guardados à sete chaves, intocáveis em meio a um silêncio que oprime, ele é uma estrutura viva, que respira e se modifica em meio à pluralidade e transformação cultural:
“Aparentemente o público vai ao museu, mas de fato é o museu que, mais do que abrir as suas portas, sai de sua posição isolada e movimenta-se ao encontro da cultura, lugar em que a audiência – público e não-público de museu – se faz existir” (CURY, 2011, p. 20-21).
Quando encararmos o museu como um organismo vivo, que existe pelo esforço coletivo da sociedade e que encontra nela o seu propósito de existência, poderemos começar a nutrir uma relação diferente com ele. Uma relação que construa laços afetivos e que esteja significativamente presente na nossa própria história. Assim poderemos deixar cada vez mais de lado a velha ideia de que “lugar de velharia é em museu” e abraçar a de que o museu é um lugar de todos e para todos.
REFERÊNCIAS
CURY, Marília Xavier. Museus em transição. In: Museus: o que são, para que servem? Sistema Estadual de Museus – SISEM SP (Organizador) Brodowski: ACAM Portinari; Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. São Paulo, 2011.
BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Os museus servem para transgredir: um ponto de vista sobre a museologia paulista. In: Museus: o que são, para que servem? Sistema Estadual de Museus – SISEM SP (Organizador) Brodowski: ACAM Portinari; Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. São Paulo, 2011.
BLOISE, Ana Silvia. O desafio da gestão dos pequenos museus. In: Museus: o que são, para que servem? Sistema Estadual de Museus – SISEM SP (Organizador) Brodowski: ACAM Portinari; Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. São Paulo, 2011.
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