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Os clássicos

  • Foto do escritor: Vivian Maria Korb
    Vivian Maria Korb
  • 12 de set. de 2020
  • 5 min de leitura

Como nascem? Onde vivem? O que fazem? Do que se alimentam?


Provavelmente você já deve ter utilizado o adjetivo clássico para se referir à alguma coisa e provavelmente também já deve ter escutado termos como “Música Clássica”, “Arte Clássica”, “clássicos da literatura”, “estilo clássico”, “Antiguidade Clássica”, entre outros.


O termo “clássico” é amplamente utilizado no nosso cotidiano e diferentes assuntos podem ter surgido a sua mente quando leu o título desse artigo: música, literatura, um período histórico... Mas eu acredito que o mais interessante é pensar qual o “peso” que essa palavra carrega: ela remeteu a algo importante, que exerce grande influência, que merece respeito e atenção, que é precursor, que não sai da moda, que é antigo? Esses são alguns dos vários significados atrelados ao “clássico”.


Mas por que pensar nesse termo em específico? Vale a pena refletir sobre esse termo, pois diferentes reflexões acerca da sociedade podem ser levantadas quando pensamos nesse “peso” que ele carrega consigo. Ele está tão entranhado no imaginário histórico que é aceito e utilizado sem reflexões mais profundas.


Perante à História o termo “clássico” está atrelado ao período da História Ocidental conhecido como Antiguidade Clássica, que compreende o desenvolvimento do mundo greco-romano, ou seja, das civilizações da Grécia e de Roma na Antiguidade (podemos definir esse período entre os séculos VIII a.C. e V d.C.).


É importante destacar que, em correlação com a Antiguidade Clássica, temos a Antiguidade Oriental, que compreende o desenvolvimento das civilizações egípcia, mesopotâmica, hebraica, persa e fenícia. Pensando nessa separação entre as Antiguidades, podemos perceber claramente o significado de “clássico” para a historiografia: “Clássico é um termo que em História designa a cultura greco-romana da Antiguidade, sendo assim um conceito histórico delimitado no tempo e no espaço” (SILVA; SILVA, 2009, P. 21)


Além disso, também não se pode deixar de destacar a grande influência que o “clássico” exerceu durante a História, passando por vários períodos de retomada, homenagem e enaltecimento. O Renascimento e o Neoclassicismo são prova da permanência do “clássico” no imaginário ocidental.


Outro fator muito interessante é que, aquilo que nós conhecemos como “clássico” está distante e próximo ao mesmo tempo, pois, mesmo tendo origem na Antiguidade, permaneceu latente na História e chega na atualidade como algo familiar, algo que “já vimos em algum lugar”. Um dos melhores exemplos disso pode ser observado na arquitetura, já que, mesmo conhecendo pela primeira vez templo de Partenon, em Atenas, provavelmente ele não vai nos causar estranheza, pois, já vimos aqueles traços arquitetônicos em diversos edifícios ao longo de nossas vidas.


Por fim vale ressaltar que: “Convencionalmente, as civilizações grega e romana da Antiguidade são chamadas “clássicas”. O termo, quando se refere a essas duas culturas antigas, possui, contudo, conotações ambíguas ao considerar essa Antiguidade como um modelo – o clássico a ser imitado pelos modernos - e ao restringir sua abrangência aos homens cultos da elite, por oposição às mulheres, aos “incultos” e aos poderes.” (FUNARI, 2003, P. 31)

Porém, o termo “clássico” não existe somente no universo historiográfico, ele também faz parte da literatura e das artes, é então que seu significado se amplia.


Nas artes o termo ainda permanece vinculado às noções greco-romanas de clássico, no que Arte Clássica se refere às obras de artes que datam da Antiguidade Clássica e também às que se inspiram nelas. Sendo que, os ideais artísticos greco-romanos foram revividos e reinterpretados artisticamente ao longo dos séculos em movimentos como o Classicismo (Renascimento), Barroco e Neoclassicismo. A Arte Clássica vai se desenvolver em torno de noções de harmonia, proporção e beleza idealizada, que datam do universo artístico greco-romano.


Já na literatura, o termo “clássico” levanta discussões mais complexas. Está relacionado principalmente com a ideia de que: “clássica é a obra que serve de modelo, que é considerada de importância fundamental para a humanidade, inovadora, fundadora, e quase sempre antiga” (SILVA; SILVA, 2009, P. 21).


Podem ser definidos como aquelas obras que deixaram uma “marca”:

“Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).” (CALVINO, 1993, P. 11)


Mas é interessante pensar que os livros também podem deixar marcas em nossas próprias vidas, dando origem a uma definição mais subjetiva de clássico na literatura:

"O 'seu' clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele." (CALVINO, 1993, P. 13)


Além disso, na literatura os clássicos não ficam necessariamente atrelados a sinônimos de antigos, existe uma grande gama de obras que são consideradas clássicos modernos, ou clássicos em seu gênero.


Essa discussão mais ampla e, até de certo modo, subjetiva sobre os clássicos também pode ser encontrada no universo do cinema, no qual a cada ano somos apresentados a novos clássicos.


Na música temos um caso particular: “Música Clássica” se refere especificamente às composições criadas entre a metade do século XVIII e início do século XIX, ou seja, existe um recorte histórico-musical muito bem definido entre o Barraco e o Romantismo, do que é considerado Música Clássica Ocidental. Contemplando compositores como Mozart, Haydn e Beethoven.


A Música Clássica enfatiza características Neoclássicas como “[...]a graça e a beleza de linha (no caso, linha melódica) e de forma (concepção musical), a proporção, o equilíbrio, o comedimento e o domínio da linguagem musical – o que proporcionou aos compositores alcançarem o perfeito equilíbrio entre a expressividade e a estrutura formal da obra musical” (CAVINI, 2010, p. 16).


Mas é claro, podemos também descrever uma música como sendo “um clássico”, uma música que carrega grande valor cultural e/ou preserva seu lugar de importância perante ao tempo.


Levando em conta o que já foi abordado sobre os diferentes significados e utilização do termo “clássico”, é fundamental termos em mente os dois seguintes levantamentos:


“A determinação de períodos “clássicos”, em qualquer periodização histórica, por sua parte, depende de um juízo de valor, da transformação de uma determinada produção intelectual em modelo.” (FUNARI, 2003, P. 31)

“[...] devemos atentar para o fato de que construímos os clássicos, assim como construímos nossa visão estilizada e idealizada da Antiguidade.” (SILVA; SILVA, 2009, P. 22)

Quando paramos para refletir sobre as diferente utilização e significado do termo “clássico”, percebemos que sua construção está intrinsecamente relacionada com uma perspectiva ocidental do que seria considerado “ideal” e “atemporal”. A persistência das noções estéticas greco-romanas ao longo do tempo contribuiu para a atribuição de sentido do termo “clássico”, que em aspectos temáticos ainda se encontra intimamente ligado à Antiguidade Clássica.

Essa construção temática do sentido de “clássico” também influenciou, o que eu descrevi no início do texto, como o “peso” que esse termo carrega. Quando pensamos nessa trajetória de construção dos “clássicos”, pensamos em uma história Ocidental e majoritariamente europeia. Ou seja, na balança para definir se algo é clássico ou não teremos muitas vezes como contra peso, um pensamento ocidentalizado (e podemos dizer que até mesmo eurocêntrico), elitista e idealizado.


Refletir sobre isso é importante para conseguirmos utilizar o termo com consciência, atentando para a conotação que ele pode carregar. Pois, quantas vezes já não escutamos alguém utilizar esse termo para subjugar algo frente ao que seriam os grandes clássicos com aquela velha frase: “não se compara aos clássicos”. Nesse momento eu não hesitaria em perguntar, “mas quais clássicos?”.

REFERÊNCIAS


CALVINO, Italo. Por que Ier os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

CAVINI, Maristella Pinheiro. História da Música Ocidental: uma breve trajetória desde o século XVIII até os dias atuais. V. 2. São Carlos : EdUFSCar, 2010.

FUNARI, Pedro Paulo. Antiguidade clássica: a história e a cultura a partir dos documentos. São Paulo: Editora da Unicamp, 2003.


SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2009.

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